Em primeiro lugar, devemos muito respeito ao David Dias, como pessoa, pesquisador, profissional e sacerdote.
A bênção!
Isto posto, após mais de 400 comentários (nem todos muito respeitosos, por isso o alerta inicial), 23 mil curtidas e 374 mil execuções de um trecho de sua entrevista nos reels em apenas 3 dias – no momento da criação deste texto -, e outross milhares de compartilhamentos do vídeo, entendemos que poderia ser pertinente nossa contribuição no debate por aqui. Devemos salientar que quaisquer eventuais divergências ou discordâncias aqui colocadas limitam-se única e exclusivamente ao campo das ideias! Portanto, nada de ataques pessoais ou à sua liturgia e tradição e muito menos treta. No mais, parabéns pela entrevista na TV Cultura, umas das mais tradicionais emissoras do país! Parabéns por chegar e ocupar este espaço, parabéns pelos trabalhos que realiza! Que cresçam e alcancem mais e mais!
Assim sendo, pontuamos algumas questões que consideramos importantes para fomentar o debate saudável, a fim de que toda a comunidade seja mais nutrida de mais informações e conhecimento.
– A Umbanda não somente é influenciada pela África Central, como é oriunda da região Bantu, onde atulmente compreendem-se países como Angola e Congo entre outros.
– O Candomblé tem raízes ligadas à região Iorubá, sim. Mas, não somente às terras iorubás! Resumidamente, foram três grandes grupos étnicos que vieram para cá durante o tráfico forçado (a propósito, passamos por esse tema no nosso curso de Letramento Racial #FicaDica). O povo Bantu foi o primeiro a chegar e foi também o povo que por mais tempo foi trazido para cá. Posteriormente, veio o povo do antigo Daomé, no Oeste da África, ali pelo atual Benin. E, já mais próximo ao final deste trágico período, que foi a escravização, vieram os Iorubá.
De modo geral, o Candomblé é uma religião resultante da reorganização dos cultos e do senso familiar e das pessoas que aqui chegaram. Em outras palavras, em primeiro momento, uma pessoa que foi tirada, sem sua família ou qualquer outra pessoa conhecida, de um grupo de alguma região Bantu encontra aqui outras tantas pessoas de outras tantas regiões Bantu nas mesma condições. Cada qual com seus costumes, formas de culto e cultura. A reorganização destes vínculos interpessoais, que agora assumem forma de estrutura familiar, e a reorganização destes cultos formam o Candomblé. O que nos leva a dizer que o Candomblé se formou aqui. É brasileiro!
Mais adequado ainda, talvez, seria utilizar o termo no plural: Candomblés. Uma vez que, refletindo as ondas de migração forçada, há Candomblé Angola, de maior influência Bantu, em que se cultua Nkisi; Candomblé Jêje, de maior influência dos daomeanos, em se cultua Vodum; e Candomblé Ketu, de maior influência Iorubá, em que se cultua Orixá.
Evidentemente, não surgiram apenas estas três formas de culto. De modo que esta classificação também não é estanque, assim como não há uma ortodoxia nela. Estes e outros cultos afro-brasileiros, religiões afro-brasileiras, afro-pindorâmicos, surgem a partir de encontros entre povos africanos, indígenas e europeus em contextos, épocas e regiões distintas. Portanto, tem-se não somente Candomblés, como Umbandas também, além das Encantarias entre outros!
As Umbandas surgem em um contexto posterior ao surgimento do Candomblé. Um contexto, inclusive, mais próximo ao início da urbanização do país. Contexto social este em que fortemente empurravam-se para as margens, ou periferia, da sociedade tudo aquilo que era não-branco. Por este motivo, nas Macumbas dos morros do Rio de Janeiro, ou nas Tendas de São Paulo, por exemplo, manifestam-se figuras de antepassados que também foram marginalizados e excluídos.
Religião e sociedade, não são “ilhas” desconexas entre si. Como é possível notar, religião e sociedade trocam valores ou possuem valores que transitam entre estes espaços. O Preto-Velho, um exemplo de antepassado excluído, que não teve espaço nos Centros Espíritas – nesta época já havia a presença do kardecismo no Brasil -, se manifesta noutros cultos como a Macumba e que vieram a compor a raiz umbandista. Por isto também é observável a forte presença cristã em muitos dos cultos do espectro denominado Umbanda. Em vários níveis: seja apenas no nível estético, por meio de imagens que representam o sincretismo, ou seja em alguns casos nos níveis mais profundos da liturgia da casa. E, a valer, não é apenas na Umbanda em que se cultuam antepassados.
Vale observar também que os povos Bantu, presentes há mais tempo neste território, tiveram maior contato com os povos originários e colonizadores por aqui. E por este motivo são tão presentes na cultura brasileira e, por conseguinte, no meio umbandista. Palavras como “capanga”, “dengo”, “muvuca”, “quitanda”, “mungunzá” são só alguns exemplos da presença bantu no nosso idioma. “Macumba”, “samba” e “ginga” são também! Pegou as referências?
E, por fim, só pra salientar mais um pequeno detalhe: as palavras são polissêmicas – no tempo e no espaço – e é por isso que hoje em dia, nós, os macumbeiros e as macumbeiras, podemos generalizar e chamar tudo de “macumba”, que é uma palavra do tronco linguístico bantu, aplicável à quase tudo das religiões afro-brasileiras, independentemente da sua origem. Do mesmo modo, podemos também chamar de “Orixá”, palavra do tronco linguístico iorubá, determinadas manifestações de determinadas divindade em um ritual de Umbanda ou de outro culto que não o Iorubá. Além da polissemia, há diversas misturas, trocas e encontros que acontecem com muita normalidade, isso sem contar falta de necessidade de alguma ortodoxia religiosa.
Esperamos que contribuir e enriquecer o debate acerca das origens das nossas religiões no Brasil. E as nossas portas, braços, corações e mentes estão sempre abertos para um diálogo agradável, um debate enriquecedor e para o conhecimento.
#Axé!