Em uma conversa profunda e inspiradora, Iassito Kamuendo, fundador e Diretor Executivo da AJUDEMU (Associação Juvenil para o Desenvolvimento de Murrupula), compartilha sua visão sobre os desafios e as conquistas de uma organização que tem transformado a realidade das comunidades em Moçambique. Desde a criação da AJUDEMU em 2007, a associação tem sido um motor de mudança, trabalhando para melhorar o acesso à educação, saúde, e promover o empoderamento social, com especial foco no protagonismo juvenil e na preservação das tradições culturais. Nessa entrevista, Iassito revela os maiores desafios enfrentados, os impactos positivos gerados e a importância das parcerias internacionais para fortalecer ainda mais as ações. A entrevista também traz um olhar reflexivo sobre o legado colonial e as possíveis soluções para a construção de um futuro mais justo para as populações mais vulneráveis de Moçambique.

Iassito, nossas entrevistas geralmente se iniciam com a pessoa entrevistada se apresentando. Sendo assim, mantendo este formato, por favor, conte-nos um pouco de sua história, apresente-se.

Me chamo Iassito Kamuendo, nascido em 31 de julho de 1984, no distrito rural de Murrupula, província de Nampula, Moçambique. Sou jurista e empreendedor social. Atualmente, atuo como Diretor Executivo da AJUDEMU – Associação Juvenil para o Desenvolvimento de Murrupula. Minha atuação no terceiro setor é movida pelos desafios enfrentados pelas comunidades locais, como acesso limitado à educação, água potável, saneamento, segurança alimentar e agricultura de subsistência. Esses problemas me impulsionaram a fundar a AJUDEMU e a dedicar-me à criação de soluções sociais transformadoras para Murrupula e outras regiões do norte de Moçambique

E como você criou a AJUDEMU? Quais as principais motivações e objetivos da instituição?

A AJUDEMU foi fundada em 2007 a partir de uma inquietação coletiva diante das condições sociais precárias enfrentadas pelas comunidades.

Criamos a organização com o propósito de empoderar os jovens e fomentar o desenvolvimento local. Nosso objetivo central é combater a pobreza por meio de projetos em educação, saúde, assistência social, agricultura sustentável e capacitação comunitária – tudo isso com foco na inclusão e no protagonismo juvenil.

Quem são as pessoas à frente da AJUDEMU e quais seus respectivos papéis?

A organização é liderada por uma equipe multidisciplinar comprometida com a transformação social. Eu, Iassito Kamuendo, sou o Diretor Executivo. Temos ainda uma Diretora de Programas, um Coordenador de Projetos, um Responsável de Comunicação e uma Gestora Administrativa e Financeira. Contamos também com voluntários e ativistas comunitários que são a força local na execução das nossas ações.

Desde o princípio da organização, quais os impactos positivos mais marcantes realizados pela AJUDEMU?

Dentre os impactos mais notáveis, destaco a capacitação de centenas de jovens e mulheres, o fortalecimento de associações comunitárias, projetos de acesso à água e saneamento básico em zonas críticas, e a criação do fundo socioambiental OPUALAHA, que apoia pequenas iniciativas de impacto social e econômico. Além disso, estabelecemos parcerias nacionais e internacionais que expandiram significativamente nosso alcance.

Quais os maiores desafios encontrados pela AJUDEMU no processo de desenvolvimento da infraestrutura local?

O principal desafio é a escassez de recursos financeiros. Além disso, encontrar parceiros certos que se comprometam com o desenvolvimento e a manutenção da infraestrutura local tem sido uma tarefa desafiadora.

A AJUDEMU envolve-se em questões relacionadas à Educação, capacitação, geração de renda voltadas às populações remotas? Se sim, de que forma?

Sim. Desenvolvemos programas de alfabetização para crianças cujas famílias não conseguem custear a escola. Atuamos como apoio pedagógico extraescolar e incentivamos os pais a enviarem os filhos para a escola. Também oferecemos cursos de curta duração como corte e costura, culinária, serralharia civil e eletricidade instaladora. Promovemos ainda práticas de gestão ambiental, compostagem, manejo de resíduos sólidos e uso correto de resíduos. Através do fundo OPUALAHA, apoiamos pequenos projetos geradores de renda e inclusão digital.

Como se mantém as tradições e saberes tradicionais frente às dificuldades enfrentadas pela sociedade em que a AJUDEMU está inserida? E, qual o papel da AJUDEMU na preservação do conhecimento antigo?

A AJUDEMU atua como guardiã e promotora dos saberes ancestrais. Com o projeto “Tradições Vivas: Feira de Resgate de Hábitos Ancestrais”, realizamos conversas comunitárias (Epancha), incentivamos o preparo e a comercialização de alimentos tradicionais e valorizamos a medicina tradicional. Estamos ainda produzindo um livro de boas práticas culturais e tradicionais.

Nosso papel é conectar o saber ancestral com o conhecimento técnico, sempre com respeito e valorização da cultura local.

Como a AJUDEMU vê as questões relativas à saúde e bem-estar das populações atendidas pela organização?

Consideramos a saúde um direito fundamental.

Desenvolvemos ações de sensibilização sobre saúde reprodutiva, nutrição, higiene e saneamento. Em parceria com instituições locais, promovemos campanhas de educação em saúde diretamente nas comunidades.

Na sua opinião, quais as principais causas destes problemas sociais e quais lições você observa que ficaram que podem prevenir as futuras gerações de passarem pelos mesmos problemas? Como a AJUDEMU lida com estas questões?

As causas principais estão na exclusão social histórica, má distribuição de recursos, fragilidade das políticas públicas e no legado colonial. A principal lição é que soluções eficazes devem ser construídas com participação comunitária. A AJUDEMU adota uma abordagem de escuta ativa, articulação de parcerias e valorização do protagonismo local.

Sabemos que a Independência de Moçambique é relativamente recente, data de 1975, portanto, um passado colonial bastante próximo. Como você observa os efeitos do colonialismo sob a sociedade moçambicana atual e como isto influencia o trabalho da AJUDEMU?

O colonialismo deixou marcas profundas: centralização do poder, marginalização dos saberes locais e fragmentação das comunidades.

Isso se reflete nas desigualdades atuais. A AJUDEMU atua para reconstruir o tecido social com base na identidade cultural, solidariedade e empoderamento comunitário.

Como são operadas as relações com pessoas e instituições estrangeiras junto à AJUDEMU? A AJUDEMU é dotada de mecanismos que previnam que as influências externas – como cultura, religião, idioma, hábitos entre outros – tornem-se instrumentos do chamado soft power frente às populações já vulnerabilizadas?

Mantemos relações internacionais pautadas no respeito mútuo, transparência e valorização da soberania cultural. Adotamos um código de conduta que orienta parceiros estrangeiros a respeitar as tradições locais e evitar imposições culturais.

A cultura local é um valor inegociável em todas as nossas ações.

Como nós, brasileiros, incluindo instituições como o próprio Instituto Axé, podemos ser aliados à AJUDEMU nas lutas diárias enfrentadas pela organização?

Os brasileiros podem ser aliados por meio de campanhas de mobilização, intercâmbios culturais e técnicos, apoio a projetos educativos e ao fortalecimento institucional. O Instituto Axé, por exemplo, pode compartilhar metodologias e experiências na promoção da cidadania e da arte-educação. Juntos, podemos construir pontes solidárias entre Moçambique e Brasil.

E, para quem quiser conhecer mais sobre a AJUDEMU, quais os meios de contato? 

Estamos disponíveis pelo e-mail oficial: [email protected]. Também podem acompanhar nossas atividades no canal do YouTube amirassy.tv, no Facebook ajudemu-mocambique e no Instagram @ajudemu. Estamos sempre abertos a parcerias e novas conexões.

Nossa última pergunta é sobre seus gostos pessoais. Deixe indicação de livros, podcasts, filmes, peças… Enfim, dicas culturais!

Sou apaixonado por conteúdos que inspiram transformação social. Recomendo o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, o podcast “África em Pauta” da DW, o documentário Eu Sou Porque Nós Somos e o filme A Estação das Chuvas. Na literatura moçambicana, indico obras de Mia Couto, Paulina Chiziane, Jessimusse Cacinda e Ungulane Ba Ka Kossa. Na minha área, Direito, gosto de autores como Filomeno Rodrigues, Bogaio Nhancalaza, Arcenio Cuco, Inocêncio Impissa e Jorge Bacelar Gouveia, que ajudam a compreender melhor as raízes e complexidades do nosso país.



Agradecemos muito pela atenção concedida pelo Iassito Kamuendo para esta entrevista.

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