Sobre a atuação do Instituto Itéramãxe é inestimável a possibilidade de ter diversas histórias sendo contadas e pesquisadas pelas pessoas que fogem do padrão hegemônico branco da academia. Falar sobre a gente, sem sermos objetos e sim pesquisadoras e pesquisadores, de forma séria, responsável e justa.

Além disso, a mudança nas cadeiras discentes das universidades impacta diretamente na estrutura acadêmica. Não é só sobre estarem na universidades, mas é como essa presença obriga uma mudança estrutural e curricular, passa-se a ler e estudar sobre pessoas não-brancas, passa-se a compreender outras formas de teorias, de filosofias, de aquisição do conhecimento, passa-se a valorizar o conhecimento dito popular, os saberes ancestrais dos mais velhos e também das crianças. Valorizam-se cosmovisões, humaniza-se o processo, nas mais diferentes áreas do conhecimento.

Há também mais um outro impacto muito positivo é de ordem das individualidades. Pessoas que passam pelo Itéramãxe, mesmo que no primeiro momento não se inscrevem em algum processo, saem mais confiantes, potencializadas e fortalecidas, saem com os instrumentos necessários para se candidatarem, sabendo onde procurar, sabendo como estudar e principalmente que não estão sozinhas.

A seguir, Amanda de Paula, uma das coordenadoras do Instituto Itéramãxe em entrevista para o Blog da Loja Axé conta tudo sobre como este coletivo têm ajudado pessoas de todo o Brasil a acessarem cursos de Mestrado e Doutorado nas Universidades Públicas.

Como surgiu a ideia de criar o Itéramãxe e qual foi a motivação por trás dela? Quem são as pessoas que idealizaram a instituição e quem são as pessoas que estão à frente da instituição atualmente?

O Itéramãxe surgiu em 2019, sua idealizadora é a Alessandra Garcia Nogueira Lucio, que incomodada com os processos solitários e desiguais que pessoas pretas passam ao tentar ingressar em uma pós-graduação, resolve participar como mentora em um grupo que oferecia mentorias preparatórias para processos seletivos.

Alessandra Lucio

Contudo, mesmo ali e entendendo a importância daquele projeto, Alessandra sentia que ainda faltava algo, que não era somente compartilhar os processos acadêmicos de escrita de um projeto, a academia adoece tanto quanto a sociedade, o ambiente racista faz com que pessoas pretas vejam aquele lugar como um “não-lugar”, muitas desistem antes mesmo de entrar. É desigual, racista, elitista e injusto.

Alessandra, uma mulher preta, sentia que precisa antes ofertar redes de proteção, de empoderado e fortalecimento para essas pessoas. Para ela, o afeto, o cuidado e o segurar a mão uma da outra eram os fios suleadores para que de fato as pessoas pudessem acessar tal espaço.

Em 2020, em uma nova mentoria, Alessandra confirma suas convicções ao ver sendo aprovadas duas das três pessoas que mentorou: Telma das Graças de Araújo, Cristina Batista de Castro e Andréia Priscila da Silva. Inspirada com as aprovações, convida as meninas para criarem um coletivo este que, além de oferecer suporte e preparo para o ingresso as pós-graduações, teria em seu seio suleador as redes de proteção, de afeto, de cuidado e de amor. E assim, em 2021 inicia-se o primeiro ciclo de mentorias do Itéramãxe.

O nome do Coletivo vem em formato de resgatar nossos saberes ancestrais e africanos, Itéramãxe significa (re)existir e perseverar, em yorubá. O que traduz os anseios, os desejos e as resistências enfrentadas pelas quatro mulheres que iniciam esse projeto.

Atualmente, quem está à frente do Coletivo, hoje Instituto, é a idealizadora Alessandra Gracia Nogueira Lucio que ocupa o cargo de Coordenadora Geral, Amanda Silva de Paula, que ocupa o cargo de Coordenadora de Apoio Organizacional e de Mentores e Leonardo Falabella, Coordenador Pedagógico.

Leonardo se encontra no Coletivo desde 2020, e ingressou como financiador do ciclo de 2020, o qual hoje sua atuação está mais voltada para as questões pedagógicas e captação de recursos. Já com a Amanda, o encontro das duas (ela e Alessandra) se deu ainda em 2021, quando Amanda entra como mentora voluntária no coletivo e recebe o convite para estar como coordenadora em 2022. Do encontro das duas e da sinergia, reestruturam o coletivo, dando maior significância nos saberes ancestrais e africanos.

Dessa forma Itéramãxe, passa a ser um coletivo-quilombo, afrocentrado e afroreferenciado. Contar nossas histórias é mais do que apenas falar, é se localizar no mundo enquanto sujeitas(os) de nossa identidade.

Ancestralidade nos remete ao cuidado, ao afeto, aos valores civilizatórios africanos.

Afrocentrar é nos localizar a partir das nossas e nossos mais velhos.

Afroreferênciar é pertença.

Aquilombar é criar estratégias de resistência.

E sobre tudo, quilombo é estar em comunhão para viver, ser em nossa totalidade.

Amanda Silva

Principalmente a quem se destina o Itéramãxe?

Às pessoas que tiveram suas trajetórias educacionais negligenciadas pelo racismo, pelo machismo, pela LGBTfobia, pelo capacitismo, ou seja, por desigualdades estruturais e estruturantes. Portanto, destina-se às pessoas pretas, pessoas com deficiências, indígenas, LGBTQIAPN+, refugiadas e/ou imigrantes, quilombolas e/ou de comunidades tradicionais.

Quais são os principais desafios que este público enfrenta ao tentar ingressar na universidade? Como o Itéramãxe ajuda a superar cada um destes desafios?

Por decidirmos trabalhar com um público que é estruturalmente e politicamente “jogados a margem” da sociedade, temos como um dos principais desafios necessidades básicas de sobrevivência.

Para suprir demandas de ordem educacional, a exemplo: construções e apropriação da escrita, precisamos antes garantir que alguns dos(as) participantes tenham acesso à internet, a aparelhos eletrônicos, a recursos tecnológicos de qualidade para que possam de fato acessar as aulas e participar ativamente. Quando não, precisamos lidar com jornadas longas de trabalhos, pouco ou quase nenhum tempo para estudo ou para estar e participar das atividades. Muitas são as provedoras do lar, trabalham em mais de um emprego, tem longas jornadas de deslocamentos e pouco tempo para descanso e/ou estudo.

Outro desafio que infelizmente tem se evidenciado muito comum são as travas e traumas construídas ao longo da vida, ‘síndrome da impostora’, ‘Burnout’, ‘baixa estima’, ‘dificuldade de expressar e escrever’, ‘sentimento de não-lugar’, ‘medo de ocupar o lugar de pesquisadora’ ou então ‘medo de invalidarem o que se está pesquisando’.

A esses desafios o Coletivo tem algumas principais frente de trabalho:

  • Metodologia afetiva | Pedagogia do Afeto: é construída nas atividades, redes de cuidado, com encontros humanizados, afetuosos, com a validação dos medos, dos traumas, das inseguranças e principalmente da possibilidade de escuta. Não queremos que as pessoas adoeçam mais do que a sociedade já os fez, queremos pessoas fortalecidas e empoderadas.
  • Flexibilização: compreendemos as demandas pessoais e as validamos, flexibilizamos nossos encontros, disponibilizamos as gravações, utilizamos metodologias invertidas de estudo, estendemos prazos e vamos construindo enquanto caminhamos com cada uma delas e deles.
  • Àtìléhìn – núcleo de acolhimento a saúde mental: composto por psicólogas e terapeutas, o núcleo auxilia com encontros terapêuticos, de cuidado, de amparo a saúde mental das pessoas participantes, esses encontros podem ser coletivos e individuais. Procuramos escutar e dialogar sobre nossas dores, principalmente aquelas causadas pela própria academia, pela própria educação que sempre vem interseccionada com o racismo, o machismo e tantos outros ‘ismos.
  • Captação de Recursos: desde para apoio às necessidades básicas das pessoas participantes, a manutenção e permanências deles, seja com recursos tecnológicos a subsidiar as inscrições nos processos seletivos.

E quais os maiores desafios encontrados pelo Itéramãxe? Como tem feito para superar estes desafios??

O nosso maior desafio no momento é a captação de recursos, normalmente os investimentos destinados às instituições sem fins lucrativos, são voltados, ora para aquelas que trabalham com a educação primeira (aqui me refiro as de primeiro acesso à educação, a exemplo, com alfabetização de adultos e ou de crianças, de acesso a primeira graduação ou então de conclusão do ensino básico), ora para aquelas consideradas emergências, em ambos os casos, pede se também que os coletivos, estejam já institucionalizadas (com CNPJ).

Normalmente o acesso à pós-graduação não é visto como uma emergência, dado ao erro comum de achar que todas as pessoas que têm uma graduação estão em situações melhores de vida.

Como coletivo, nosso primeiro passo foi a institucionalização, para que possamos olhar com mais propriedade para editais, projetos, repasses e investimentos sejam de organizações públicas e/ou privadas. O segundo passo é apresentar para sociedade e de modo geral, com dados, as desigualdades sociais que atingem as pessoas que atendemos e como isso se configura na sociedade, além de reforçamos a importância destas pessoas acessarem e ocuparem lugares de poder, para que de fato possa mudar o cenário atual.

Ocupar a academia como pesquisadoras(es) é possibilitar que mais pesquisas sejam feitas a partir do olhar dessas pessoas como sujeitas e não mais como objetos, é possibilitar mudanças nos quadros docentes universitários, é possibilitar mudança salarial, mudança curricular, maiores possibilidades de construir e implementar políticas públicas.

Amanda Silva

Quais são os critérios de seleção utilizados pela instituição para identificar quem receberá suporte?

Primeiramente, pertencer a um dos grupos que atendemos, após seguimos essa ordem:

1 – Faixa salarial

Dentro da faixa salarial priorizamos:

1.1 – Compor mais de um grupo minoritários

1.2 – Oriundas de Escolas Públicas

1.3 – Maior idade

Além do apoio acadêmico, em quais outras áreas o Itéramãxe oferece suporte para o processo de ingresso na pós-graduação?

Temos duas principais frentes, já brevemente apresentadas:

  • Àtìléhìn – núcleo de acolhimento a saúde mental: queremos pessoas fortalecidas, confiantes, pertencidas para além de acessarem a academia, queremos que essas pessoas entrem nestes lugares (ao final de nosso ciclo ou quando assim desejarem) sabendo de seus direitos acadêmicos, de como este espaço também é seu, confiantes sobre continuar, pertencidas e representadas.
  • Apoio e incentivo financeiro: também já mencionado anteriormente, custeamos as inscrições, oferecemos suporte tecnológicos e ou de necessidades básicas, a depender de cada caso.
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